Enquadramento
O artigo 31 é um dos direitos consagrados da Convenção dos Direitos das Crianças segundo o qual todas as crianças têm direito ao repouso, a tempos livres e a participar em atividades culturais e artísticas promovendo o bem-estar e a qualidade de vida de todas as crianças através do lazer, atividades recreativas e culturais.
Após a segunda guerra mundial a preocupação com a dignidade do ser humano levou à consagração da Declaração dos Direitos do Homem e a preocupação com a infância levou pouco tempo depois a assembleia geral da organização das nações unidas a proclamar a declaração dos direitos da criança considerando que a humanidade deve dar à criança o melhor que tem para dar. Mais tarde, a 20 de novembro de 1989 é realizado um tratado denominado Convenção dos Direitos da Criança assinado por 196 países comprometendo-se a respeitar os direitos e liberdades da criança em sociedade, com 52 artigos, entre os quais o artigo 31 que considera que:
“Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e atividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística. Os Estados Partes respeitam e promovem o direito da criança de participar plenamente na vida cultural e artística e encorajam a organização, em seu benefício, de formas adequadas de tempos livres e de atividades recreativas, artísticas e culturais, em condições de igualdade.” (1989, UNICEF, art.31)
Com a atual situação de crise pandémica que vivenciamos alguns dos direitos proclamados pela convenção dos direitos das crianças não estão a ser tidos em consideração, e como tal decidi abordar como tema de investigação deste trabalho a temática direitos das crianças durante a pandemia.
Para perceber melhor quais as vivências e conceções das crianças hoje em dia decidi estudar quais as conceções e vivências que as crianças têm sobre os seus próprios direitos e como esses mesmos têm sido vividos durante a pandemia. Um estudo atual num momento de crise global. Ambiciono que esta investigação seja matéria de pesquisa e informação. Além de ser também matéria de estudo para pais, professores e técnicos na área da educação e da infância.
O meu percurso na educação social e intervenção comunitária está diretamente relacionado com a pandemia, com a pausa artística e cultural da indústria do lazer (a minha área profissional). Esta pausa forçada permitiu-me ter mais tempo para estudar a infância, com enfoque nos seus direitos de lazer, do acesso à cultura e à arte, e estudar as suas vivências e conceções da realidade de modo a melhorar a minha prática enquanto profissional de animação infantil e performance artística.
A criança como ser em crescimento e desenvolvimento, e em interação com o meio que a rodeia goza hoje de um vasto leque de direitos fundamentais, mas nem sempre assim foi. E em função da cultura e do meio assim esses direitos são assegurados, ou não.
O tema central deste estudo são os Direitos das Crianças (ONU, 1989), conhecer as vivências e perceções das crianças entre os 8 e os 10 anos de idade, e escutar a sua voz, a voz das crianças; dar enfoque às questões da participação visto que ao promover o desenvolvimento, com uma participação ativa é necessária a existência de uma participação infantil cidadã com formação, adquirindo conhecimentos sobre direitos, democracia e só assim poderemos criar cidadãos ativos e implicados (Tomás, 2007, p.204).
Este projeto de investigação pretende dar voz às crianças e tem como tema: “Ouvir a voz das crianças sobre os Direitos da Criança em tempos de Pandemia – em Mundos diferentes dentro da mesma cidade”
“As crianças e os jovens possuem capacidades e competências para darem um contributo inovador para melhorar os espaços sociais em que vivem e por isso necessitam ser ouvidos” (Chawla et al., 1997, citado por Tomás & Gama, 2011, p.14).
Através de metodologias participativas e de uma abordagem qualitativa este estudo será desenvolvido na área metropolitana de Lisboa com crianças de várias cidades (Cascais, Odivelas e Loures) e realidades diversas de modo a compreender as suas vivências relativamente aos seus direitos, e à efetivação (ou não) dos seus direitos e como estes foram vividos durante a pandemia.
O desenvolvimento humano é um processo de aprendizagem que ocorre na interação entre o indivíduo e o ambiente sociocultural que o cerca, para que sejamos humanos necessitamos do auxílio de outro humano nessa jornada de desenvolvimento e descobrimento (Dutra, 2020, p. 293); e essa jornada tem sido feita de forma solitária por algumas crianças e daí a minha preocupação com a problemática: compreender de que modo as vivências e as conceções que as crianças têm sobre os seus direitos sofreram alterações decorrentes da situação de Pandemia e dos efeitos desta em dimensões diversas da vida em sociedade?
O artigo 31 é o mote de partida para a importância destes direitos e da minha preocupação atual constante com o bem-estar e a qualidade de vida das nossas crianças. Deixo para reflexão as contemporâneas palavras do secretário geral da organização das nações unidas no relatório anual: “O que começou como uma crise de saúde pode tornar-se numa crise dos direitos das crianças” (Guterres, A. ,2020).